Papéis de gênero e divisão das tarefas domésticas segundo gênero e cor no Brasil: outros olhares sobre as desigualdades

Autores

  • Felícia Picanço Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil http://orcid.org/0000-0001-5661-5782
  • Clara Maria de Oliveira Araújo Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil
  • Maira Covre Sussai Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0177

Palavras-chave:

Gênero, Família, Papéis de gênero, Articulação casa-trabalho

Resumo

A adesão ao modelo tradicional de família nunca foi uniforme. Estudos sobre famílias negras nos EUA e no Caribe, por exemplo, mostram que as mulheres negras são menos propensas do que as brancas a oficializarem o casamento, são menos dependentes dos seus cônjuges e, do ponto de vista das atitudes, homens e mulheres afro-americanos tendem a ser mais tolerantes com mães que trabalham e mais igualitários em relação aos papéis de gênero. As diferenças são atribuídas aos constrangimentos socioeconômicos experimentados historicamente e às saídas construídas para lidar com eles. E no Brasil? O artigo aplica modelos de regressão linear múltipla para analisar os dados do survey Gênero, Família e Trabalho a partir das percepções em relação aos papéis de gênero, às práticas de divisão do trabalho doméstico entre os membros do casal e ao conflito na articulação trabalho reprodutivo (casa) e trabalho remunerado (trabalho) segundo gênero e raça. Os resultados apontam que, em relação às percepções sobre os papéis de gênero, as mulheres brancas são as mais igualitárias. Essa adesão cresce com a escolaridade e diminui com maior número de filhos e presença de cônjuge. Já os homens negros são os menos igualitários e essa assimetria é reduzida pela idade e maior número de filhos. Na divisão do trabalho, os homens negros são os mais igualitários e a adesão à igualdade aumenta com a escolaridade e com percepções mais igualitárias de papéis de gênero, enquanto as mulheres negras reportam relações menos simétricas, mas a simetria cresce com a escolaridade. Quanto ao conflito casa-trabalho, as mulheres negras declaram mais cansaço do que as brancas, mas este se reduz com a escolaridade e a presença de cônjuge.

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Biografia do Autor

Felícia Picanço, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Felícia Picanço é doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Clara Maria de Oliveira Araújo, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Clara Maria de Oliveira Araújo é doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Maira Covre Sussai, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Maira Covre-Sussai é doutora em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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Publicado

2021-11-05

Como Citar

Picanço, F., de Oliveira Araújo, C. M., & Covre Sussai, M. (2021). Papéis de gênero e divisão das tarefas domésticas segundo gênero e cor no Brasil: outros olhares sobre as desigualdades. Revista Brasileira De Estudos De População, 38, 1–31. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0177

Edição

Seção

Artigos originais